I
O ser humano é feito de duas naturezas (digamos assim, para simplificar): uma natureza inferior, a que chamámos "personalidade", e uma natureza superior, a que chamámos "individualidade".
Quando a individualidade domina nele, o homem pode fazer um bem imenso ao mundo inteiro, ao passo que se ele se deixa conduzir pela personalidade, que é egocêntrica, ávida, cruel, não pode deixar de prejudicar os outros.
Infelizmente, por toda a parte é a personalidade que ocupa o primeiro lugar: nas famílias, onde se vê a mulher a puxar sempre a brasa à sua sardinha e o marido a fazer outro tanto... na sociedade, onde cada um procura a brir caminho a despeito dos outros...
Na política, na economia, na arte, por toda a parte, é a personalidade que se exprime, que se impõe, que fulmina.
Mas os humanos não têm critérios suficientes para analisar a origem das suas exigências e das suas reivindicações.
Quantas vezes eles têm experimentado mudanças e até revoluções!
Mas a situação não melhorou.
E porque é que não melhorou?
Porque estas revoluções não foram feitas por pessoas com vontade de se separar das suas tendências inferiores.
E enquanto não houver uma melhoria nas suas mentalidades, quaisquer que sejam as reformas que elas encarem, nenhuma situação poderá realmente melhorar.
Só quando elas saírem do pequeno círculo dos seus apetites e das suas cobiças é que as mudanças que fizerem serão verdadeiras melhorias.
Até lá, ainda que todos os homens políticos utilizem cada vez mais a palavra "mudança", continuar-se-á a assistir aos mesmos esforços encarniçados de uma quantidade de ambiciosos para disputar os lugares que lhes darão mais poderes e mais dinheiro.
Eles não se preparam para assumir a tarefa grandiosa que lhes cabe, não trabalham para se tornar mais desinteressados, mais nobres, mais senhores de si... modelos!
Isso não lhes interessa.
Para que serviria melhorarem-se?
Não é disso que eles sentem necessidade.
Eles sentem necessidade de lugares para terem poderes, para saciarem as suas paixões, os seus desejos de conquista, de domínio, de vingança.
Por isso é que o mundo nunca mais encontra paz!
Na realidade, a sociedade actual é tão pouco esclarecida que encoraja todas as tendências inferiores dos seus membros.
Mesmo os pais são tão ignorantes que julgam que educam os filhos incentivando-os a obter favores e privilégios por meios mais ou menos ilícitos.
Para eles, a educação é isso.
Em vez de lhes dizerem: «Prepara-te! Se um dia tiveres responsabilidades, deverás mostrar-te à altura do teu cargo e jamais te comprometer», não, eles dão-lhes os conselhos mais desonestos e regozijam-se com os seus sucessos, mesmo que eles não os mereçam.
As pessoas pretendem sempre triunfar no plano material, e como para lá chegar são obrigadas a empregar os calculismos, a astúcia, a violência, acabam por destruir tudo o que tinham de bom no seu carácter.
Vós direis: «Sim, mas se nos conduzirmos segundo os seus conselhos, se nos formos preparar assim para nos tornarmos um modelo, as condições no mundo são tais que ficaremos por aí, desconhecidos, obscuros, no mais baixo da escala.»
Que sabeis vós das grandes leis espirituais, para tirardes semelhantes conclusões?
Quando vos tornardes verdadeiramente um modelo, um sol, ainda que não o queirais, ainda que o recuseis, os outros virão pegar em vós à força e colocar-vos-ão no topo para os dirigirdes e os guiardes!...
Se isso não acontece, é porque não o mereceis: não estais em condições; portanto, não tendes razões para protestar.
Os humanos aspiram à verdadeira luz, à verdadeira ciência, ao verdadeiro poder, têm necessidade disso, procuram isso, mas como todos aqueles com quem convivem não são modelos lá muito impecáveis, eles recorrem à desonestidade e à violência para triunfar a todo o custo.
Interiormente, todos aspiram ao que é nobre, sublime, mas como não o encontram e se vêem rodeados de malfeitores e de gananciosos, perdem a coragem e começam a imitá-los, adaptando esta filosofia tão difundida: «Fazei o bem e pagar-vos-ão com o mal»...
«Se se é honesto, morre-se de fome»...
«O homem é um lobo para o homem»...
Então, cada vez mais, todos se nivelam, todos se afinizam com as criaturas mais inferiores.
Continua
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