MESTRE OMRAAM MIKHAËL AÏVANHOV
Conferência improvisada
Bonfin, 29 de Setembro de 1963
Ao ler a vida de muitos santos, profetas ou Iniciados, algumas pessoas dizem: «Eles sofreram, foram martirizados...
Como é que isso pode ter acontecido?
Eles não o mereceram...»
Sim, mereceram, e poderemos encontrar a razão nas suas vidas passadas, porque o facto de já se ter conseguido restabelecer em si próprio uma ordem divina, não significa que se tenha tudo pago e, que o passado esteja todo liquidado.
Não, o passado continua lá, e ainda não deixa um campo de actividade inteiramente livre.
Há que pagar a dívida até ao último centavo.
Observai como as coisas se passaram com os discípulos de Jesus: estavam com ele, seguiam um Ensinamento divino, viviam na luz, não praticavam mal algum; então, porque é que foram massacrados ou entregues às feras?
Porque é que Jesus não os ajudou?
Foi porque ainda não tinham liquidado o seu passado.
Nas outras reencarnações, quando não estavam ainda esclarecidos, haviam cometido algumas faltas que não repararam antes de partir para o outro lado.
É isso que foi dito (mas as pessoas não compreenderam o sentido desses conselhos): «Que o Sol não se ponha sobre a tua cólera». ou então «Antes que o Sol se ponha, vai reconciliar-te com o teu irmão.»
Se tomarmos esta expressão à letra, o prazo é muito curto...
Sobretudo se for no Inverno quando o Sol desaparece muito cedo!
Na realidade, não se trata do pôr-do-sol no plano físico.
Na linguagem simbólica dos Iniciados, o pôr-do-sol representa a morte do homem, a sua partida para o outro mundo.
É-lhe concedido pois, como vedes, um prazo suficientemente longo, de numerosos anos.
Mas, uma vez esgotado esse tempo, se ele não pensou em pagar as suas dívidas, ou se não soube fazê-lo, uma vez "o Sol posto", a lei do carma aplica-se!
Tudo está inscrito, porque tudo deixa uma marca que endurece e se cristaliza, e então é preciso pagar.
É impossível fazer um "arranjinho amigável" como se costuma dizer.
É preciso pagar.
A não ser que a questão seja resolvida antes do pôr-do-sol, teremos que pagar até ao último centavo.
E vós, que seguis um Ensinamento espiritual, viveis na luz, mas isso não impedirá que vos aconteçam, de tempos a tempos, alguns acidentes ou alguns infortúnios.
Não se fica ao abrigo de tudo só porque se está numa Escola Iniciática.
Para que nada de mau vos aconteça, é preciso que tenhais liquidado todas as dívidas do passado.
Se ainda as trazeis convosco, quer sigais ou não o Ensinamento, quer estejais ou não na luz, nada há a fazer, tendes que pagá-las.
Como vedes, a questão torna-se mais clara: vós estais num Ensinamento divino, de acordo, vós viveis nessa luz e doravante não praticareis senão o bem, de acordo, mas é preciso que saibais que esse bem dará resultados no futuro e não no imediato.
Portanto, quando atravessais dificuldades, deveis aceitá-las e dizer: «Senhor Deus, isto não pode destruir o trabalho que eu tenho feito na luz.
Tanto melhor se me surgem estes aborrecimentos, pois isso significa que estou a libertar-me, e isso é bom.
Agora eu sei porque é que isso me acontece, não me revoltarei mais, não pedirei de novo para ser poupado.»
Vós direis: «Mas será que também o próprio Jesus tinha ainda um carma a pagar quando foi crucificado?»
Não, o caso dele é completamente diferente e insere-se na questão essencial do sacrifício.
Existem seres que aceitam sacrificar a sua vida e passar por grandes sofrimentos quando já não têm nada a pagar.
São excepções.
Quando as pessoas não conhecem em pormenor esta questão da reencarnação, correm o risco de se pronunciar de uma maneira errónea.
Do ponto de vista da reencarnação, podemos classificar os seres em quatro categorias.
A primeira categoria é composta por creaturas cuja falta de luz, de ciência, de consciência, de moralidade, as leva frequentemente a cometer crimes.
Portanto, elas transgridem as leis, carregam-se de pesadas dívidas que terão que pagar e, em consequência disso, quando voltam a encarnar, vêm à terra em condições que as obrigam a sofrer para pagar e reparar; é por isso que a sua vida não é lá muito feliz.
A segunda categoria compreende seres mais evoluídos que procuram desenvolver certas qualidades e virtudes para poderem libertar-se.
Mas como não conseguem restabelecer tudo no trabalho de uma única encarnação, têm que voltar para acabar a tarefa.
Serão então colocados em melhores condições que lhes permitirão ter actividades mais úteis, mais elevadas.
Mas, apesar de tudo. deverão voltar para liquidar ainda certas dívidas do passado, até à sua libertação total.
Na terceira categoria encontram-se seres mais evoluídos, que vieram à terra para acabar certas tarefas.
Eles tinham muito poucas coisas para resolver e possuem, nesta vida, grandes virtudes, uma consciência mais larga. e até muito mais tempo para fazer o bem.
Esses seres quando partirem, depois de terem realizado o seu trabalho e terminado a sua missão, não voltarão mais.
No entanto, alguns deles, uma vez lá em cima, em lugar de permanecer nesse estado de felicidade. de alegria, de liberdade infinita de que usufruem no seio do Eterno, tomados de piedade e de compaixão para com os seres humanos. abandonam esse estado maravilhoso e descem voluntariamente para ajudá-los; e chegam mesmo a aceitar ser mortos, massacrados.
Ao passo que outros, dado que não são obrigados a vir cá novamente, podem no seu desejo de continuar um trabalho espiritual começado, infundir-se, habitar num ser muito evoluído.
Aliás, Jesus mencionou essa possibilidade quando disse: «Naquele que cumprir os mandamentos, o meu Pai Celeste e eu viremos habitar e faremos dele a nossa morada.»
Esses seres não são, pois, obrigados a reencarnar-se: sem tomar um corpo físico separado, eles podem entrar num homem vivo e atravessar com ele todas as etapas: a gestação, a infância, a juventude e a maturidade, para trabalhar com ele e nele.
Muitas pessoas querem libertar-se, mas compreendem mal a questão: fazem tudo para escapar às suas obrigações, para fugir aos seus deveres, para cortar todos os elos e, eis que se crêem livres.
Não, ninguém se liberta desta forma.
A verdadeira libertação de cada um, consiste em pagar todas as dívidas.
Quantos querem libertar-se da sua mulher, dos seus filhos, do seu patrão, da sociedade, da própria vida, suicidando-se!
Mas não há libertação possível, meus caros irmãos e irmãs, enquanto não tiverdes pago todas as vossas dívidas, apagado todo o carma.
Devemos querer libertar-nos, sim, mas de acordo com as regras divinas e, é raro encontrar seres que saibam fazê-lo.
Mesmo aqui, na Fraternidade, há quem não ponha a questão desta maneira: são os que querem, a todo o custo, ser independentes, escapando aos seus deveres.
É como, se depois de se terem regalado à mesa de um restaurante, quisessem partir sem pagar.
Isto é desonesto, é uma falta de nobreza e os espíritos luminosos. do outro lado, não aceitam uma tal atitude.
As pessoas imaginam muitas vezes que se libertam pelo facto de terem conseguido ver-se livres do seu antigo patrão ou da sua ex-mulher, mas, nessa altura, novos aborrecimentos, novas armadilhas as esperam para lhes mostrar que estão enganadas; é aquilo a que se chama «cair de Cila em Caríbdis.»*
O melhor caminho, o melhor método para a libertação, é o amor; e o pior é o egoísmo, a avareza, as manhas, os calculismos.
Na generosidade, no sacrifício, na bondade, em todos os gestos que fazemos para dar, trabalhamos sempre para a nossa libertação.
É por essa razão que, em vez de vos agarrardes ao qur possuís, de usar calculismos, subterfúgios, deveis dar!
Reparai como agem as pessoas no momento da separação, de um divórcio!...
Com que obstinação se agarram aos seus interesses!...
Sim, mas elas não sabem que, adoptando esta atitude, deverão voltar a encontrar-se e suportar-se nas encarnações futuras.
O amor, a generosidade, a bondade, a clemência, a misericórdia, é que colocam o discípulo no caminho da libertação.
Bem entendido, se fordes falar de bondade e de sacrifício às pessoas comuns, passareis por ser o maior dos imbecis, porque elas não têm essa luz e não sabem para que serve a generosidade.
Mas um Iniciado conhece as razões profundas e sabe que vale verdadeiramente a pena dar, ajudar, ser aberto e generoso, porque é assim que as pessoas se libertam.
Dai, pois, dai mesmo mais do que aquilo que a justiça exige, porque deste modo libertar-vos-eis mais rapidamente.
* No original, «tomber de Charybde en Scylla.»
Esta expressão poderia ser traduzida por: «sair da lama para se meter no atoleiro.»
www.prosveta.com
Sem comentários:
Enviar um comentário