Capítulo III
I
Para vos mostrar que, na verdade, a questão da personalidade e da individualidade é um extraordinário mundo, vou continuar hoje a dar-vos algumas imagens sobre este tema.
A melhor de todas surge-nos a partir da etimologia da palavra personalidade: «persona».
Em latim, «persona» é a máscara que os actores de teatro colocavam na cara para representar.
O actor coloca diferentes máscaras, muda de personalidade.
Na realidade, ele é sempre o mesmo, mas para cada peça, para cada papel, ele tem vestes diferentes, um desempenho diferente.
Portanto, o teatro pode dar-nos uma ideia do que é a personalidade; é o papel que o homem é obrigado a representar durante uma existência.
Na existência seguinte, muda de papel, mas ele próprio não muda.
O ser humano que vem reencarnar-se para uma existência, veste-se, e pega numa máscara, quer dizer, numa personalidade: é uma mulher ou um homem, manifesta-se desta ou daquela maneira, tem estes ou aqueles defeitos, estas ou aquelas qualidades.
Numa outra encarnação, ele volta completamente diferente, com uma outra personalidade, mas, no fundo, ele próprio permanece aquilo que é.
Aquilo que muda, o que é passageiro, é a personalidade; mas aquilo que permanece, aquilo que se inscreve como se fosse uma herança, como uma riqueza, como o resultado de todas as aquisições, de todas as aprendizagens, de todos os exercícios que fez durante a sua vida, tudo o que deve ser transmitido de uma encarnação à outra, é a individualidade.
Portanto, a personalidade do homem muda em cada encarnação, mas todas as qualidades, toda a sabedoria que ele adquiriu, ficam de uma encarnação para a outra, como uma herança, como uma riqueza inseparável da individualidade.
A individualidade pode ser comparada ao Sol, e a personalidade à Lua.
A Lua passa por diferentes fases, está sempre a mudar; também não tem luz própria, nem é o centro de um sistema planetário, tal como acontece com o Sol.
A personalidade é tão instável como a Lua, ao passo que a individualidade permanece sempre resplandecente, sempre luminosa, sempre poderosa como o Sol.
Ontem, eu disse-vos: «O essencial, para vós, é saber para quem trabalhais.»
Se trabalhardes somente para a personalidade, isto é, para aquilo que se altera e do qual um dia não restarão quaisquer vestígios, todas as vossas riquezas e as vossas aquisições se perderão, serão devoradas, porque tereis trabalhado no vazio, tereis trabalhado para o vento.
Mas para podermos ficar com uma ideia clara, devemos analisar em que casos o homem trabalha para a personalidade e em que casos é que ele trabalha para a individualidade.
A característica mais notável da personalidade é que ela quer sempre receber, quer sempre possuir, agarrar-se, reter.
Tal como eu já vos disse, a personalidade é uma trindade invertida, querendo isto dizer que ela corresponde no homem à trindade do intelecto, do coração e da vontade, de que vos tenho falado amiúde, mas nas suas manifestações inferiores.
Por conseguinte, se nessa altura ela se choca com as outras forças que a impedem de realizar as suas tendências egoístas, ela irrita-se, pega em armas e torna-se má, cruel, vingativa.
Eis, portanto, as manifestações da personalidade, que não pensa senão em tomar para si e em guardar o que conseguiu ganhar.
Só pensa nela própria, não deseja senão aquilo que lhe pode proporcionar prazer e não age a não ser no seu próprio interesse.
Ao passo que a individualidade quer jorrar, irradiar, dar...
Ela quer esclarecer, ajudar, apoiar...
Portanto, projecta algo dela própria, emana algo de impessoal.
Ela quer esforçar-se, emanar, sacrificar-se, mostrar-se generosa, abnegada, desprendida.
Eis a razão por que ela não retém aquilo que possui e não se irrita se alguém vier tirar-lhe as suas riquezas.
Pelo contrário, ela fica feliz por ver que graças a si, os outros se alimentam, se dessedentam, se iluminam.
E como a individualidade também é uma trindade em que se manifestam a inteligência, o coração e a vontade, a sua inteligência consiste em brilhar, o seu coração, em aquecer, e a sua vontade, em animar e libertar todos os seres.
E como estas duas naturezas completamente diferentes estão juntas no mesmo corpo, o homem é continuamente solicitado por duas forças, uma egocêntrica e a outra heliocêntrica ou, se preferis, uma força centrípeta e uma força centrífuga.
O homem encontra-se entre estas duas forças, e se ele se aproxima um pouco mais das concepções vulgares, humanas ou animais, é apanhado nas garras da personalidade, levado pela corrente egocêntrica.
Infelizmente, isto acontece com a maior parte dos homens, pois eles não têm discernimento, não possuem aluz, e deixam-se levar pela corrente da personalidade.
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