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E agora, porque é que a personalidade tem medo do silêncio?
Porque ela não encontra nele condições favoráveis para pilhar, para enganar.
A luz e o silêncio incomodam-na, ela não pode executar os seus projectos, fica paralisada.
O silêncio é como uma porta que se abre para as regiões celestes, e a personalidade, que tem sempre projectos egocêntricos, que quer sempre puxar a brasa à sua sardinha, que quer sempre vingar-se, morder, revoltar-se, sente que esse silêncio representa para ela a demolição, sente que vai ser obrigada a ceder o seu lugar, a capitular, e ela não quer!
Ao mínimo vexame, em vez de permanecer tranquila, ela diz ao homem: «Morde-o, extermina-o».
Os conselhos da personalidade vão sempre no sentido da destruição.
Ao passo que a individualidade, aconselha assim: «Espera um pouco; reza por ele, envia-lhe alguns pensamentos bons, pode ser que ele mude e depois, olha, terás arranjado mais um amigo; caso contrário arranjas um inimigo...
Não te inquietes, ninguém te pode destruir, tu possuis a eternidade.
Tem um pouco mais de luz, um pouco mais de amor!»
Eis os conselhos da individualidade.
Mas a personalidade é de tal modo barulhenta com as suas fanfarras, os seus enormes bombos, os seus trompetes, ela insiste tanto, dia e noite, sem nunca parar, que o homem, um tanto tolinho, diz para consigo: «Bom, temos que a seguir; se ela insiste assim tanto é porque deve ter razão.»
Ao passo que a individualidade fala docemente, sem insistência, e mal se consegue ouvir a sua voz.
Eis porque os homens se deixam levar sempre pela personalidade.
Só há uma coisa da personalidade que eu invejo, uma única coisa: é que ela é infatigável.
Tudo o resto é horrível, mas essa qualidade, ela possui-a: é infatigável.
Reparai nos vadios, nos vagabundos, nos criminosos, eles são infatigáveis, porque os seus projectos diabólicos não os deixam em paz.
Ao passo que as pessoas amáveis, gentis, graciosas, estão sempre fatigadas.
Não têm aqueles impulsos para roubar, para matar, para se vingarem; portanto como não lhes resta grande coisa para fazer, elas repousam, estão contentes consigo próprias.
Mas um dia, eu mostrar-lhes-ei que ainda não começaram o seu verdadeiro trabalho, que há muito para fazer, e então também elas tornar-se-ão infatigáveis!
Mas é indispensável que tenham um alto ideal, que não se contentem mais com esse ideal minúsculo que lhes têm apresentado: ser amável, caridoso, cumprir os deveres conjugais, educar os filhos...
Que miséria, que pobreza!
Não deveis ficar por aí, isso é muito pouco.
Mas para poderdes ir mais longe e empreender um trabalho gigantesco, sem parar, para ir cada vez mais longe, deveis entrar para a Escola divina, onde vos será explicado que existem tarefas com que até agora jamais vos haveis deparado.
Pois sim, o alto ideal!
Portanto, a personalidade não gosta do silêncio porque este vai estrangulá-la, diminuí-la, torná-la ajuizada.
É esta a razão de ser de todas as práticas que aqui efectuamos, estais a compreender?
É essa a explicação para todos estes silêncios e todas estas meditações: tornar a personalidade sensata, diminui-la, reduzi-la, e dar espaço à individualidade, ao espírito.
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